quinta-feira, 20 de maio de 2010

O Retorno...


Granada 1937

Na penumbra noturna do apartamento de venezianas cerradas, o clique discreto de uma porta se fechando penetrou o silêncio. Ao crime de chegar tarde, a moça acrescentava o pecado de tentar ocultar a volta sorrateira para casa.
- Mercedes! Deus do céu, onde é que você estava? - ouviu-se alguém dizer num sussurro áspero.
Um rapaz saiu da escuridão e surgiu no vestíbulo e a moça, que não passava dos dezesseis anos, viu-se frenta a frente com ele, a cabeça baixa, escondendo as mãos para trás.
- Por que você está chegando tão tarde? Por que está fazendo isso conosco?
Ele hesitava, oscilando entre o desespero total e seu amor inabalável pela moça.
- E o que está escondendo aí? Como se eu não soubesse...
Ela estendeu as mãos. Equilibrando nas palmas abertas, estava um par de sapatos pretos esfolados, o couro fino como pele humana, as solas gastas, quase transparentes.
Ele segurou os pulsos dela com delicadeza e os manteve presos nas suas mãos.
- Por favor, esta é a última vez que vou pedir a você... - suplicou ele.
- Sinto muito, Antonio - disse ela em voz baixa, agora olhando-o nos olhos. - Não posso parar. Não consigo.
- É perigoso, mi querida, é perigoso.

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