sexta-feira, 17 de julho de 2009

A Cidade do Sol...



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Laila fechou os olhos e ficou sentada ali por um instante.
Ás vezes, quando estava no Paquistão, achava difícil lembrar do rosto de Mariam em detalhes. Houve até algumas ocasiões em que os traços lhe escapavam, como uma palavra que está na ponta da língua. Mas agora, naquele lugar, é fácil evocar a lembrança de Mariam por trás de suas pálpebras cerradas. O brilho manso de seu olhar, o queixo comprido, a pele curtida de seu pescoço, o sorriso naqueles lábios finos. Aqui, Laila podia voltar a deitar a cabeça no colo macio de Mariam, senti-la balançando o corpo para frente e para trás, recitando versículos do Corão, e podia sentir as palavras vibrando por aquele corpo, chegando aos joelhos e, de lá, a seus ouvidos.
De repente, as ervas daninhas começaram a desaparecer, como se algo puxasse pelas raízes bem lá no fundo da terra. E elas foram afundando, até que o chão da kolba engoliu a última de suas folhas pontiagudas. Num passe de mágica, as teias de aranha se desfizeram. O ninho de passarinho se desmanchou, com os gravetos soltando um a um, e voando porta afora para longe do casebre. Uma borracha invisível apagou as letras russas da parede.
As tábuas do assoalho estão de volta. Nesse momento, Laila pode ver dois catres, uma mesa de madeira, duas cadeiras, um fogareiro de ferro fundido num canto, prateleiras pelas paredes, abrigando vasilhas e panelas, um serviço de chá escurecido, xícaras e colheres. Ouve as galinhas cacarejando ali fora e, mais ao longe, o gorgolejo do riacho.
Uma jovem Mariam está sentada junto à mesa, fazendo uma boneca à luz de uma lamparina a óleo. Está cantarolando. Tem o rosto suave e juvenil, o cabelo foi lavado e penteado para trás. E não lhe falta nenhum dente.
Laila a vê colar pedaços de lã na cabeça da boneca. Em poucos anos essa menina vai se tornar uma mulher que pede muito pouco da vida, que nunca incomoda ninguém, nunca deixa transparecer que ela também tem tristezas, desapontamentos, sonhos que foram menosprezados. Uma mulher que vai ser como uma rocha no leito de um rio, suportando tudo isso sem se queixar. Uma mulher cuja generosidade. Longe de ser contaminada, foi forjada pelas turbulências que se abateram sobre ela. Laila já consegue ver algo nos olhos daquela menina. Algo tão arraigado que nem Rashid nem os talibãs conseguiram destruir. Algo tão rijo e inabalável quanto um bloco de calcário. Algo que, afinal, acabou sendo, sua ruína e a salvação de Laila.
A menina ergue os olhos. Deixa a boneca de lado. E sorri.
“Laila jô?”
Assustada, Laila abre os olhos. {...}"

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Laila decidiu porém, que não deixaria abater pelo ressentimento. Mariam não gostaria de vê-la agir assim. “Para que?”, indagaria ela, com aquele seu sorriso a um só tempo ingênuo e cheio de sabedoria. “De que adianta ficar assim Laila jô?” “Portanto, resolveu seguir tocando a vida. Faria isso por si mesma, por Tariq e por seus filhos. E por Mariam, que continuava a visita-la em sonhos; que, de certa forma, estava sempre ali, em tudo que ela fizesse. E seguiu tocando a vida. Porque, no fundo, sabia que era tudo o que podia fazer.”

(páginas: 353 e 354; 361)

{Trecho Extraído do Livro: A Cidade do Sol – Khaled Hosseini}

((Lido em Agosto de 2007))

Sinopse: Mariam tem 33 anos. Sua mãe morreu quando ela tinha 15 anos e Jalil, o homem que deveria ser seu pai, a deu em casamento a Rasheed, um sapateiro de 45 anos. Ela sempre soube que seu destino era servir seu marido e dar-lhe muitos filhos. Mas as pessoas não controlam seus destinos.Laila tem 14 anos. É filha de um professor que sempre lhe diz: "Você pode ser tudo o que quiser." Ela vai à escola todos os dias, é considerada uma das melhores alunas do colégio e sempre soube que seu destino era muito maior do que casar e ter filhos. Mas as pessoas não controlam seus destinos.Confrontadas pela História, o que parecia impossível acontece: Mariam e Laila se encontram, absolutamente sós. E a partir desse momento, embora a História continue a decidir os destinos, uma outra história começa a ser contada, aquela que ensina que todos nós fazemos parte do "todo humano", somos iguais na diferença, com nossos pensamentos, sentimentos e mistérios.
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Opinião: A Cidade do Sol não é fruto de sua imaginação, infelizmente. Execução de pessoas, discriminação contra as mulheres que vivem enclausuradas em suas burcas e humilhações são apenas alguns dos ingredientes que fazem do livro um verdadeiro aprendizado sobre a cultura de um país marcado pela violência.
O texto de Khaled Hosseini, na verdade, conta a história de duas mulheres, Mariam e Laila, que apesar de serem tão diferentes, se cruzam no meio do caminho e passam a ter vidas tão iguais. As duas representam a vida de milhares de afegãs que têm seus sonhos vetados, impedidos, mas que, ainda sim, continuam lutando para ter uma vida mais digna. O amor e a amizade são alguns dos focos principais do livro, assim como a busca pela felicidade permeada pela presença constante da esperança. A cada página uma surpresa.
O título A thousand splendid suns se refere a Cabul e a um poema "Mil sóis esplêndidos" lido por um personagem. "Não se podem contas as luas que brilham em seus telhados, nem os mil sóis esplêndidos que se escondem por trás de seus muros".Com final mais emocionante ainda, A Cidade do Sol deixa um gostinho de quero mais no leitor
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Editora: Nova Fronteira
Assunto: Literatura Estrangeira
ISBN: 9788520920107
Idioma: Português
Edição: 1
Número de Páginas: 368

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