quinta-feira, 2 de julho de 2009

Longe Daqui...

“É sempre o mesmo sonho. Ela está morta. Também está cega. Tudo o que consegue ver é uma explosão vermelha no interior de suas pálpebras, como se estivesse deitada de costas no campo mais longínquo de Turov no dia mais claro de junho, fechando os olhos sob o sol do meio-dia. O mundo inteiro desapareceu, as árvores, os pássaros, as chaminés; não há nada além de um céu branco que baixa suavemente e que se transforma em seu lençol. Um pedaço de palha a cutuca na face, ela o afasta com a mão e sente o sangue seco no rosto. Esfrega os olhos e sente os fios de sangue que lhe cerravam as pálpebras. Rolam por sua face, e entram na boca, coágulos de sangue duros como grãos de pimenta; vão amolecendo em sua língua... ela os cospe na mão e a mão se tinge de vermelho. Ela vê tudo, agora, em todas as direções. O chão vermelho. O marido caído no vão da porta, coberto por um sangue tão espesso que endureceu o camisão de dormir que ele usava. Há coisas no chão entre eles: o bule de chá da avó em pedaços, o balde, de cabeça para baixo, o pano que penduravam para ter privacidade. A mão de alguém. A mãe dela está caída também, estripada como uma galinha através do avental, que cai como uma cortina tosca dos dois lados do seu corpo. Lillian está de pé, nua, no cômodo vermelho, e a cor recua, feito a maré.Seu pai está junto à porta de entrada, de rosto para baixo, ainda segurando o cutelo que usaria contra os intrusos. Seu próprio machado está enterrado fundo em sua nuca. A caminha da filha está vazia. Há uma outra mão no chão, ali do lado, e ela pode ver a linha dourada da aliança de Osip. Lillian acorda com seus próprios gritos.
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Deitada ao lado de Judith naquela cama quente e estreita, sua pele se arrepia com o choque do ar frio da noite, quando apenas segundos antes estava suando. Transformou as mãos em garras, para atacar os olhos azuis dele, injetados de sangue, mas mesmo assim de um azul celeste, e ele estendeu o braço para cortar Lillian de verdade, e o policial chamou os homens pelos nomes desta vez. Ergueu a voz de um modo amigável e firme, como se tivesse surpreendido garotos quebrando garrafas atrás de um celeiro ou incomodando uma garota no mercado. “Vão para casa, camaradas. Uma longa noite para todos — vão para casa agora. Já basta.” E o homem apunhalou Lillian uma vez no peito, do ombro até o quadril, depois sacudiu a cabeça, como se ela o tivesse feito perder tempo. O policial chamou novamente. O homem esticou as pernas para passar por cima dos corpos dos pais de Lillian e do marido dela e um deles derramou no chão uma xícara de chá; podia ter sido apenas um acidente, um momento de descuido enquanto ele limpava a faca na toalha de mesa da mãe dela. Então, os três saíram pela porta da frente e foram embora, seguindo adiante, na direção oposta à do galinheiro.”


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{Trecho do Livro: "Longe Daqui" - Amy Bloom}

Sinopse: “Longe Daqui" é a história íntima e épica de Lillian Leyb, uma heroína acidental. Ao perder a família num pogrom russo, vai para os Estados Unidos sozinha, determinada a seguir em frente numa nova terra. Quando recebe a notícia de que a filha, Sophie, talvez ainda esteja viva, Lillian embarca numa verdadeira odisséia que a leva do mundo do teatro iídiche, no Lower East Side de Nova York, ao distrito do jazz de Seattle e, em seguida, ao Alasca, passando pelo lendário Telegraph Trail, rumo à Sibéria. Essa surpreendente viagem, conduzida pelo amor materno, faz de Longe daqui um romance belo e arrebatador, que cativa imediatamente o leitor.
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Opinião: A busca de Lillian por sua filha é o que move o livro... Uma maneira de escrever nada convencional da autora da um toque especial a ele. Gostei bastante do final que não se restringiu ao óbvio. E nos faz pensar que nossas buscas nunca terminam... É uma boa leitura
Editora: Nova Geração
Assunto: Literatura Estrangeira-Romances
ISBN: 9788520920985
Idioma: Português
Edição: 1
Número de Páginas: 224

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