quinta-feira, 18 de março de 2010

A Hospedeira...


Lembrada

Eu sabia que começaria pelo fim, e que o fim pareceria a morte a estes olhos. Eu tinha sido avisada.
Não estes olhos. Meus olhos. Esta sou eu agora.
O idioma que me vi usando era estranho, mas fazia sentido. Entrecortado, delimitado, despojado e linear. Impossivelmente mutilado em comparação com muitos que eu já usara, mas ainda assim conseguia encontrar fluidez e expressão. Às vezes, beleza. Meu idioma pátrio.

Com o mais verdadeiro instinto de minha espécie, liguei-me seguramente dentro do centro de pensamento do corpo, geminando-me inescapavelmente a cada uma de suas respirações e a cada reflexo até que aquilo não fosse mais uma entidade separada. Era eu.

Não o corpo, meu corpo.

Senti a sedação ceder e a lucidez tomar seu lugar. Tratei de me firmar para o violento assalto da primeira lembrança, que, na verdade, seria a última - os der-radeiros momentos que este corpo havia experimentado, a recordação do fim. Eu tinha sido amplamente avisada do que aconteceria agora. Essas emoções humanas seriam mais fortes, mais vitais que os sentimentos de qualquer outra espécie que eu tinha sido. Eu tinha tentado me preparar.

A lembrança veio. E, conforme eu havia sido avisada, não era algo para o que fosse possível estar preparada, jamais.

A lembrança ardia com cores nítidas e sons retumbantes. O frio na pele dela, a dor tomando seus membros, queimando-os. O gosto em sua boca era violentamente metálico. E houve a sensação nova, o quinto sentido que eu nunca tinha experimentado, que tomava partículas no ar e as transformava em estranhas mensagens, prazeres, avisos para o cérebro - os odores. Eles me distraíam, eram desconcertantes para mim, mas não para a memória dela. A memória não tinha tempo para as novidades do olfato. A memória era apenas medo.

O medo travou-a numa disfunção, espicaçando os membros embotados e de-sajeitados a prosseguir, mas, ao mesmo tempo, estorvando-os. Fugir, correr - era tudo o que ela podia fazer.

Eu falhei.

A memória que não era minha era tão assustadoramente forte e clara, que dilacerou meu controle - sobrepujou o distanciamento, o conhecimento de que aquilo era apenas uma memória, não eu. Tragada no inferno que foi o último mi-nuto da vida dela, eu era ela e estava correndo.

Está tão escuro. Não estou enxergando nada. Não dá para ver o chão. Não dá para en-xergar minhas mãos estendidas diante de mim. Corro às cegas e tento ouvir a perseguição que posso sentir atrás de mim, mas meu pulso é tão alto em meus ouvidos, que abafa qual-quer outro som. Está frio. Não devia importar agora, mas machuca. Estou com muito frio.

O ar no nariz dela era desconfortável. Ruim. Um cheiro ruim. Por um segun-do, esse desconforto me livrou da recordação. Mas foi somente um segundo, e então fui arrastada outra vez, e meus olhos se encheram de lágrimas horrorizadas.

Estou perdida; nós estamos perdidos. Acabou.
Eles estão bem atrás de mim agora, alto e perto. São tantas pisadas! Estou sozinha. Falhei.
Os Buscadores estão chamando. O som de suas vozes embrulha meu estômago. Vou vomitar.
"Está tudo bem, tudo bem", mente alguém, tentando me acalmar, tentando me fazer ir mais devagar. A voz dela está transtornada pelo esforço da respiração.

"Cuidado!", grita outra pessoa em advertência.
"Não se machuque", pede uma delas. Uma voz profunda, cheia de preocupação.
Preocupação!
O calor disparou em minhas veias, e um ódio violento quase me sufocou.

Eu nunca tinha sentido uma emoção como aquela em todas as minhas vidas. Por outro segundo mais, a repulsa me afastou da lembrança. Um guincho alto e penetrante trespassou meus ouvidos e pulsou em minha cabeça. O som se fragmen-tou ao longo de minhas vias aéreas. Havia uma dor fraca em minha garganta.
{...}

Este rosto era um duro retângulo, o formato dos ossos forte sob a pele. Em ter-mos de cor, era de um leve castanho-dourado. Os cabelos eram apenas poucos tons mais escuros que a pele, menos onde reflexos louros os iluminavam, e cobriam somente a cabeça e as riscas acima dos olhos. As íris nos globos oculares brancos eram mais escuras que os cabelos, mas, como eles, tinham pontos de luz. Havia pequenos vincos em volta dos olhos, e as memórias dela me disseram que eram de sorrir e de estreitar os olhos sob o sol.

Eu nada sabia sobre o que era considerado beleza entre essas criaturas estra-nhas, mas, ainda assim, sabia que aquele rosto era bonito. Eu queria ficar olhando para ele. Assim que compreendi isso, ele desapareceu.

Meu, disse o pensamento alienígena que não deveria existir.

Outra vez, fiquei paralisada, atordoada. Não deveria haver ninguém aqui, ex-ceto eu. E, contudo, o pensamento foi muito forte e muito consciente!
Impossível. Como ela podia ainda estar aqui? Era eu agora.

Meu, repreendi-a, o poder e a autoridade que só a mim pertenciam fluindo pela palavra. Tudo é meu.
Então por que estou respondendo? Perguntava-me, quando as vozes interrompe-ram meus pensamentos.




{Trecho Extraído do Livro: A Hospedeira - Stephenie Meyer}




Sinopse:
Melanie Stryder se recusa a desaparecer. Nosso planeta foi dominado por um inimigo que não pode ser detectado. Os humanos se tornaram hospedeiros dos invasores: suas mentes são extraídas, enquanto seus corpos permanecem intactos e prosseguem suas vidas aparentemente sem alteração. A maior parte da humanidade sucumbiu a tal processo. Quando Melanie, um dos humanos "selvagens" que ainda restam, é capturada, ela tem certeza de que será seu fim. Peregrina, a "alma" invasora designada para o corpo de Melanie, foi alertada sobre os desafios de viver dentro de um ser humano: as emoções irresistíveis, o excesso de sensações, a persistência das lembranças e das memórias vívidas. Mas há uma dificuldade que Peregrina não esperava: a antiga ocupante de seu corpo se recusa a desistir da posse de sua mente.

Opinião: Nossa que livro ótimo! Eu que nem sou fã de ficção científica me senti totalmente presa ao livro. A história e excelente e a autora sabe como ninguem contar uma bela história de amor... e nada melosa...  Fiquei encantada por ele... Vale muito a pena!

“Ela jamais poderá voltar a viver entre as almas e jamais será humana”.


Editora: Intrinseca
Assunto: Literatura Estrangeira-Romances
ISBN: 9788598078595
Idioma: Português
Tipo de Capa: BROCHURA
Edição: 1
Número de Páginas: 557
Início: 12/03/2010
Término: 18/03/2010

Um comentário:

Roberto Reis - Fala Baixo! disse...

Continue postando assim!
Seu blog possui conteúdo altamente cultutal e inteligente!
Muito bom!
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Parabéns!

Abraços =)