terça-feira, 5 de maio de 2009

A Montanha e o Rio...


CAPÍTULO 1

Shento 1960
BALAN, SUDOESTE DA CHINA


PARA CONTAR A HISTÓRIA do meu nascimento, não vou começar pelo início, mas pelo fim do meu começo. Para falar a verdade, nasci duas vezes. A primeira foi quando rasguei a passagem escura das entranhas de minha mãe. A segunda foi quando o velho curandeiro da aldeia me salvou.A jovem que me deu à luz pretendia acabar com tudo, não apenas com a sua vida, mas também com a minha, no exato momento da minha chegada a este mundo. Tinha pressa em se atirar do penhasco que ficava no topo do monte Balan, mas eu fui mais rápido do que suas pernas inchadas e escapei de seu ventre bem no momento em que ela avançava para a beira daquele precipício fatídico. As pessoas da aldeia tentariam imaginar o que a teria levado a isso, transformando-se numa espécie de mito ao saltar do ponto mais alto da montanha, comigo ainda ligado a ela pelo cordão da vida, o emaranhado cordão umbilical.Pulei para fora antes que ela se atirasse no abismo, nascido em pleno ar, pairando acima de tudo. Posso imaginá-la lançando-se daquele penhasco escarpado como uma águia planando em direção ao solo, liberta de seu ninho, de suas amarras, de seus pecados, em seu lamento final, para ser esquecida pelo vento que fazia esvoaçar seu cabelo viçoso de moça, enquanto se arremessava precipício abaixo. Nós dois, anjos geminados e sem asas, caíamos em queda livre. Mas o impensável aconteceu. A mão do destino interveio. Eu, o recém-nascido choroso, caindo no rastro de minha mãe pela encosta do penhasco coberto de trepadeiras, fiquei subitamente agarrado aos galhos de um arbusto de chá que crescia na entrada de uma gruta.

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Porém, o destino interveio mais uma vez. A misericórdia divina desceu sobre mim na forma do velho curandeiro da aldeia - magro, ossudo e cheio de fé. Quando ele me ouviu chorando e me viu preso no penhasco açoitado pela ventania, desceu como um macaco para me resgatar. Felizmente, era tão ágil quanto um deles, pois sua atividade exigia que percorresse as cadeias de montanhas, passando por todos os cumes, por todos os vales, indo de caverna em caverna em busca do raro ginseng e da saliva de andorinhas cujos ninhos eram encontrados apenas nos locais quase inalcançáveis escolhidos pelas aves.

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Pegaram a cabra e a ordenharam. A mulher me alimentou com aquele leite como se viesse do seu próprio seio. Naquela mesma hora e naquele exato momento, deram-me o nome de Shento - o topo da montanha, o cume.- Ele vai querer alcançar o céu, como o nosso sagrado monte Balan - disse baba.- E vai subir aos céus como o espírito de nossos ancestrais - acrescentou mama. - Será que podemos realmente ficar com ele como se fosse nosso próprio filho?- Mas é claro que sim! Ele é uma dádiva da nossa querida montanha, uma recompensa pelas boas ações que praticamos.- E se encaixa tão bem nos meus braços! - murmurou mama, acariciando meu rosto.E assim termina a história do meu nascimento e começa a da minha vida.

{Trecho Extraído do livro: “A Montanha e o Rio” – Da Chen}

Sinopse: No auge da Revolução Cultural chinesa, Ding Long, um jovem e poderoso general, gera dois filhos. Um deles, legítimo. O outro, nascido de uma jovem camponesa que se atira do alto de uma montanha poucos momentos depois do parto. Tan cresce em Beijing, cercado de luxo, carinho e conforto, ao passo que Shento é criado nas montanhas por um velho curandeiro e sua esposa, até que a morte do casal o leva a um orfanato onde passa a viver sozinho, assustado e faminto. Separados pela distância e pelas condições de vida, Tan e Shento são dois estranhos, que crescem ignorando a existência um do outro.´A montanha e o rio´ narra a saga desses dois irmãos que trilham caminhos distintos, mas cujas vidas se encontram quando se mesclam inevitavelmente aos acontecimentos que marcam a história política e social da China no final do século XX.Numa trama repleta de conspiração, mistério e paixão, Tan e Shento se tornam inimigos ferozes tanto no campo político quanto no pessoal, pois, por um capricho do destino, se apaixonam pela mesma mulher, o que contribui para acirrar ainda mais o ódio que sentem um pelo outro. Com esta história envolvente, que levou oito anos para ser concluída, Da Chen, conhecido por suas obras memorialísticas, faz sua primeira incursão pela área da ficção. A marca de Da Chen está por certo presente nesta narrativa que possui também traços do romance histórico e é perpassada pelas milenares tradições do Oriente e suas relações com o mundo ocidental.
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Um livro muito interessante. Mais uma vez os chineses e sua tradições... O livro mostra bem que as vezes tomamos decisões que irão repercutir para sempre nas nossas vidas... Excelente livro!

Editora: Nova Fronteira
Assunto: Literatura Estrangeira
ISBN: 9788520919927
Idioma: Português
Edição: 1
Número de Páginas: 496

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